domingo, 21 de dezembro de 2014


Abraçado em todo o mundo desde sua estreia, BOYHOOD, o filme mais recente do diretor Richard Linklater é uma graciosa surpresa que vai na contramão do cinema comumente feito nos dias atuais, principalmente nos Estados Unidos. Ao filmar a travessia de um garoto da infância até o início de sua juventude, Linklater opta por uma questão estruturalista que se destaca pela ousadia: a passagem do tempo para o protagonista e demais personagens da história não é mera questão de fade in/ fade out e uma revisão na maquiagem no rosto dos atores. A produção foi filmada ao longo de doze anos, em trinta e seis dias, e o amadurecimento e envelhecimento dos personagens coincide com o tempo cronológico dos atores. Com isso, Linklater propõe uma experiência praticamente única no cinema, dando a nós, público, a chance de acompanhar de modo muito particular o menino Ellar Coltrane avançar dos seis aos dezoito anos de idade. E isso já seria suficiente para fazer de BOYHOOD um grande filme. Mas o diretor vai além e, sobreprujando esse aspecto mais formalista do filme, subverte novamente as regras do jogo cinematográfico e suprime de sua obra qualquer cadeia que envolva a sequência epílogo-clímax-prólogo e deixa para o espectador, durante 2 horas e 45 minutos de exibição, o melhor dos eventos cotidianos da vida de Mason e sua família. Não há uma cena que se destaque ou um diálogo que ganhe contornos maiores que os anteriores.

As sensações que tínhamos ao assistir a trilogia Antes do Amanhecer, Antes do Pôr-do-Sol e Antes da Meia-Noite em sequência se confirmam de uma só vez em BOYHOOD: as rugas nos rostos de Ethan Hawke e Julie Delpy dão lugar aos traços adultos que se ensaiam na face do menino protagonista, à medida que adentramos em seu universo de modo bastante íntimo, acompanhando a formação de sua personalidade e o surgimento de seus valores, ideais, sonhos e desejos. A naturalidade das situações aqui são ainda mais maiores que aquelas apresentadas na trilogia acima citada, como se o aspecto documental tomasse conta desse corpo ficcional que Linklater constrói. Lidar com o tempo fora de cena talvez tenha sido uma das maiores dificuldades da produção. O que,  provavelmente, tenha feito com que o roteiro tenha sido construído somente após o último take filmado (o diretor mais uma vez mudando a ordem das coisas) e explique o único senão da obra: acabamos seduzidos pelas imagens aparentemente evasivas do dia-a-dia, mas sentimos falta do texto mais apurado e do olhar doce e melancólico sobre a vida que a criança e o jovem Mason carrega mas não parece dividir com o público para além de suas feições.  

Numa época em que o cinema está mais acostumado a reciclar fórmulas já desgatadas – que algumas vezes dão certos e em outras não -, é gratificante se deparar com um filme que não busca o caminho fácil.



Para ver: BOYHOOD - DA INFÂNCIA À JUVENTUDE (Boyhood, 2014, de Richard Linklater). Com Ellar Coltrane, Patricia Arquette, Ethan Hawke, Lorelei Linklater.
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