sexta-feira, 5 de dezembro de 2014



Enquanto público desse cinema feito e visto nos dias de hoje, estamos acostumados com a narrativa encerrada em uma história contada por um personagem e/ou apresentada nos diálogos dos atores em cena. SOB A PELE não faz parte desse grupo e assisti-lo não é como assistir a qualquer filme em que nós, espectadores, recebemos e processamos determinada informação concreta. Mas também não se pode considerar que isto, aliado ao interessantíssimo formalismo visual do filme, o coloca no grupo das obras abstratas e completamente distantes de qualquer sentido racional. É nesse ínterim entre as duas situações que o diretor Jonathan Glazer constrói seu filme e dá ao público a oportunidade de escolher qual caminho tomar: estamos diante de uma reflexão artística que se afasta da ordem lógica para provocar seu público com novas sensações ou de um complexo trabalho de texto que instiga o público a buscar uma ordem lógica em uma trama aparentemente sem sentido?

Diante de um espectador aberto para uma infinidade de possibilidades, seja qual caminho tomado, SOB A PELE alcança uma grandiosidade impressionante. Em sua veia mais abstrata, apoiado por decisões plásticas que saltam aos olhos e ouvidos (que trilha sonora!), a saga da personagem vivida por Scarlett Johansson parece tatear uma representação onírica para versar sobre relacionamentos humanos e a queda de braço entre machos e fêmeas em condições (quase) animalescas que reverberam em seus comportamentos na sociedade. Já quem aposta na montagem do quebra-cabeça da razão parece comprar a ideia de que a personagem é um ser não humano (um alienígena? uma máquina?) que anda vitimando homens a seu bel prazer, roubando-lhes a essência da nossa raça – aquilo que estaria... sob a pele. E sim, o quebra-cabeça possui argumentos que o tornam incrivelmente bem articulado e faz muito sentido, para cada um dos elementos apresentados.

Em ambas as soluções, o que se vê de Glazer é um domínio absoluto sobre aquilo que de fato quer nos contar. As situações repetitivas da primeira parte do filme, ainda que cansativas, reforçam o ciclo da personagem principal, que tem o comportamento modificado após um evento nas ruas da cidade do interior da Escócia, onde o filme se passa. Essa ruptura fala muito sobre uma questão urbana interessantíssima que muito explica o assunto que Glazer discute: os relacionamentos, os valores e as posturas do ser sociável nos dias de hoje, nossa época atual. A sensacional cena final, com a personagem de Scarlett vagando por uma floresta de espinhos até descansar sobre o gelo – em meio a tudo que lhe acontece nesse intervalo – não poderia ser mais emblemática para o filme. 


Para ver: SOB A PELE (Under the Skin, 2014, de Jonathan Glazer). Com Scarlett Johansson, Adam Pearson, Paul Brannigan, Joe Szula. 
Cotação:

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