Abraçado em todo o mundo desde sua estreia, BOYHOOD, o filme mais recente do diretor Richard Linklater é uma graciosa surpresa que vai na contramão do cinema comumente feito nos dias atuais, principalmente nos Estados Unidos. Ao filmar a travessia de um garoto da infância até o início de sua juventude, Linklater opta por uma questão estruturalista que se destaca pela ousadia: a passagem do tempo para o protagonista e demais personagens da história não é mera questão de fade in/ fade out e uma revisão na maquiagem no rosto dos atores. A produção foi filmada ao longo de doze anos, em trinta e seis dias, e o amadurecimento e envelhecimento dos personagens coincide com o tempo cronológico dos atores. Com isso, Linklater propõe uma experiência praticamente única no cinema, dando a nós, público, a chance de acompanhar de modo muito particular o menino Ellar Coltrane avançar dos seis aos dezoito anos de idade. E isso já seria suficiente para fazer de BOYHOOD um grande filme. Mas o diretor vai além e, sobreprujando esse aspecto mais formalista do filme, subverte novamente as regras do jogo cinematográfico e suprime de sua obra qualquer cadeia que envolva a sequência epílogo-clímax-prólogo e deixa para o espectador, durante 2 horas e 45 minutos de exibição, o melhor dos eventos cotidianos da vida de Mason e sua família. Não há uma cena que se destaque ou um diálogo que ganhe contornos maiores que os anteriores.
As sensações que tínhamos ao
assistir a trilogia Antes do Amanhecer,
Antes do Pôr-do-Sol e Antes da Meia-Noite em sequência se
confirmam de uma só vez em BOYHOOD: as rugas nos rostos de Ethan Hawke e Julie
Delpy dão lugar aos traços adultos que se ensaiam na face do menino
protagonista, à medida que adentramos em seu universo de modo bastante íntimo,
acompanhando a formação de sua personalidade e o surgimento de seus valores,
ideais, sonhos e desejos. A naturalidade das situações aqui são ainda mais maiores
que aquelas apresentadas na trilogia acima citada, como se o aspecto documental
tomasse conta desse corpo ficcional que Linklater constrói. Lidar com o tempo
fora de cena talvez tenha sido uma das maiores dificuldades da produção. O
que, provavelmente, tenha feito com que
o roteiro tenha sido construído somente após o último take filmado (o diretor
mais uma vez mudando a ordem das coisas) e explique o único senão da obra:
acabamos seduzidos pelas imagens aparentemente evasivas do dia-a-dia, mas
sentimos falta do texto mais apurado e do olhar doce e melancólico sobre a vida
que a criança e o jovem Mason carrega mas não parece dividir com o público para
além de suas feições.
Numa época em que o cinema está
mais acostumado a reciclar fórmulas já desgatadas – que algumas vezes dão
certos e em outras não -, é gratificante se deparar com um filme que não busca
o caminho fácil.
Para ver: BOYHOOD - DA INFÂNCIA À JUVENTUDE (Boyhood, 2014, de Richard Linklater). Com Ellar Coltrane, Patricia Arquette, Ethan Hawke, Lorelei Linklater.
Nenhum comentário:
Postar um comentário