Enquanto público
desse cinema feito e visto nos dias de hoje, estamos acostumados com a narrativa
encerrada em uma história contada por um personagem e/ou apresentada nos
diálogos dos atores em cena. SOB A PELE não
faz parte desse grupo e assisti-lo não é como assistir a qualquer filme em que
nós, espectadores, recebemos e processamos determinada informação concreta. Mas
também não se pode considerar que isto, aliado ao interessantíssimo formalismo
visual do filme, o coloca no grupo das obras abstratas e completamente distantes
de qualquer sentido racional. É nesse ínterim entre as duas situações que o
diretor Jonathan Glazer constrói seu
filme e dá ao público a oportunidade de escolher qual caminho tomar: estamos diante
de uma reflexão artística que se afasta da ordem lógica para provocar seu
público com novas sensações ou de um complexo trabalho de texto que instiga o
público a buscar uma ordem lógica em uma trama aparentemente sem sentido?
Diante de um
espectador aberto para uma infinidade de possibilidades,
seja qual caminho tomado, SOB A PELE alcança uma grandiosidade impressionante.
Em sua veia mais abstrata, apoiado por decisões plásticas que saltam aos olhos
e ouvidos (que trilha sonora!), a saga da personagem vivida por Scarlett Johansson parece tatear uma representação
onírica para versar sobre relacionamentos humanos e a queda de braço entre machos
e fêmeas em condições (quase) animalescas que reverberam em seus comportamentos
na sociedade. Já quem aposta na montagem do quebra-cabeça da razão parece
comprar a ideia de que a personagem é um ser não humano (um alienígena? uma
máquina?) que anda vitimando homens a seu bel prazer, roubando-lhes a essência
da nossa raça – aquilo que estaria... sob a pele. E sim, o quebra-cabeça possui
argumentos que o tornam incrivelmente bem articulado e faz muito sentido, para
cada um dos elementos apresentados.
Em ambas as
soluções, o que se vê de Glazer é um domínio absoluto sobre aquilo que de fato quer
nos contar. As situações repetitivas da primeira parte do filme, ainda que
cansativas, reforçam o ciclo da personagem principal, que tem o comportamento
modificado após um evento nas ruas da cidade do interior da Escócia, onde o
filme se passa. Essa ruptura fala muito sobre uma questão urbana
interessantíssima que muito explica o assunto que Glazer discute: os
relacionamentos, os valores e as posturas do ser sociável nos dias de hoje,
nossa época atual. A sensacional cena final, com a personagem de Scarlett
vagando por uma floresta de espinhos até descansar sobre o gelo – em meio a
tudo que lhe acontece nesse intervalo – não poderia ser mais emblemática para o
filme.
Para ver: SOB A PELE (Under the Skin, 2014, de Jonathan Glazer). Com Scarlett Johansson, Adam Pearson, Paul Brannigan, Joe Szula.
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