sexta-feira, 25 de abril de 2014



Os filmes HOJE EU QUERO VOLTAR SOZINHO (idem, 2014), do brasileiro Daniel Ribeiro, e GAROTOS (Jongens, 2014), da holandesa Mischa Kamp, fizeram sua estreia mundial praticamente juntos – em fevereiro passado, no Festival de Berlim, e na TV de seu país de origem, respectivamente – e mesmo vindos de cinematografias distintas, evocam em suas discussões a descoberta sexual de seus protagonistas adolescentes como representação do momento da conquista da liberdade individual. Esse interessante diálogo entre as obras avança, ainda, para dentro de suas formulações e composições, estabelecendo caminhos similares que são propostos por seus diretores, ainda que preservadas suas particularidades. Vejamos:


- A sutileza do primeiro amor -

Ambos os filmes podem ser encarados como alegorias para a história do primeiro amor da vida de qualquer moleque, que nos cinemas ficou famoso nos anos noventa com a celebração de Macaulay Culkin e Anna Chlumsky em MEU PRIMEIRO AMOR (My Girl, 1991, de Howard Zieff). Mergulhados em uma narrativa clássica, os dois filmes apostam na sutileza do relacionamento entre seus protagonistas como manejo da construção cenográfica. A empatia e a espontaneidade das ações que acompanham a formação desse sentimento acaba por reduzir e desestimular rótulos e estereótipos sobre suas paixões: o fato de Leo e Gabriel estamparem o pôster do filme brasileiro, enquanto Sieger e Marc estarem lado a lado na produção holandesa é mero acaso. Para Daniel Ribeiro e Mischa Kemp, não há uma causa a ser defendida ou uma bandeira que precisa ser levantada. É através da naturalidade das situações que surge o encantamento entre os garotos.

O filme brasileiro apresenta como pano de fundo o cotidiano escolar dos adolescentes Leonardo e Gabriel, às voltas com trabalhos escolares, festas e decisões sobre o futuro. Leo, que é deficiente visual, se apaixona pelo colega recém-chegado à escola, ao passo que lida com a atribulada relação com Giovana, sua melhor amiga. O filme se mostra um pouco mais interessado em desenvolver uma problemática sobre o assunto ao complexar a trama com uma discussão bem mais textual a respeito da liberdade que anseia a idade, com diálogos que se debruçam nas questões que envolvem os obstáculos de Leo: a cegueira, a vontade de romper a dependência dos pais e a aceitação do desejo. Já no exemplar holandês, o cenário é o time de atletismo em que Sieger é recém-incorporado. Ao encontrar Marc, o atleta mais importante da equipe, o garoto desenvolve uma amizade imediata que funciona como refúgio para a carência afetiva familiar que possui. O filme aposta em uma menor intervenção de diálogos na trama e abusa de imagens ora mais contemplativas, ora cheia de indução sobre os acontecimentos, reforçando a confusão com a presença de outra garota, Stef – mas escapando, quase sempre, do dramalhão. A panoramização buscada pelos diretores para refletir a liberdade da paixão em suas obras reflete, em vários momentos, na adoção de uma câmera em planta baixa, como se buscando contemplar no quadro da câmera toda a cena possível (tal qual faz um arquiteto, ao estudar a gênese de um ambiente).
  


- Entre um passeio de bicicleta, o beijo roubado -

Os universos pautados pela sutileza são fortemente norteados por dois importantes elementos comuns aos dois filmes: o beijo e o passeio de bicicleta. O primeiro, equivalente à representação maior da paixão, momento de entrega ao sentimento e, para um adolescente, seu primeiro contato com o universo romântico do mundo dos adultos, surge em momentos distintos no dorso narrativo de cada um dos filmes, ditando as particularidades de ritmo de cada obra. Enquanto o filme brasileiro aposta numa paixão que chega a transitar pelo suspense (“isso também está acontecendo com o Gabriel?”, poderia se questionar Leo) até a confirmação daquilo que todo o tempo foi sugestionado (com um beijo já bem perto do fim), o filme holandês aposta numa surpresa de pronto (um beijo no terço inicial do filme), para só depois situar-se no desenvolvimento do foco principal da trama. Nas duas produções, no entanto, ele assume sua face mais atraente: surge roubado. O outro elemento, os passeios de bicicleta, de presença constante nas narrativas, mas que também rende pequenas sequências memoráveis, é apresentado como símbolo dessa liberdade desejada pelos protagonistas, que ao longo dos filmes ganham contornos diferentes (bem mais pueril para os personagens de HOJE EU QUERO VOLTAR SOZINHO e transformador para os de GAROTOS).

Ao som de Belle e Sebastian e M83, Daniel Ribeiro e Mischa Kemp encerram suas histórias de liberdade reforçando uma ideia de continuidade (“o que acontece a partir de agora?”, possivelmente Sieger disse a Marc) – como se a empatia criada entre o público e seus personagens possibilitasse uma existência para além do apresentado em seus filmes, cujas escolhas (muitas vezes questionáveis), solidificassem o desejo maior do espectador, de perpetuação de momentos tão agradáveis dentro do cinema.


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